Flexibilidade de Tubulações: Mitos e Fatos
Há alguns meses atrás, durante a posta em marcha de uma turbina de 40 MW na nova central termoelétrica de uma usina no México, mais uma vez recebemos a informação do cliente de que os suportes de mola da tubulação de vapor vivo não se comportaram conforme o que foi previsto no projeto. Na condição a quente, os suportes ficaram com as molas tensionadas acima do especificado. Verificando o que ocorreu, constatamos que o técnico do fabricante da turbina, mais uma vez, exigiu que na condição a frio os flanges da tubulação e da turbina, sem os respectivos prisioneiros, ficassem perfeitamente alinhados.
Esta exigência acima do técnico do fabricante da turbina é decorrência de um dos vários mitos que observamos em nossa atividade nos projetos de flexibilidade de linhas de vapor nas usinas de cana. Pretendemos a seguir elencar alguns destes mitos, começando pelo acima mencionado, procurando indicar a seguir os fatos que realmente importam e em nossa opinião os procedimentos recomendados para a correção dos problemas.
Mito #1: “Antes de partir uma turbina é necessário destravar todos os suportes de mola da linha de vapor vivo e remover os prisioneiros dos flanges da turbina para verificar se os flanges permanecem perfeitamente alinhados”.
Este mito parte do pressuposto de que a tubulação foi projetada para aplicar o mínimo esforço nos flanges da turbina na condição a frio. Sinceramente, você acha que isto faz algum sentido? É evidente que não, o projeto da tubulação deve ser desenvolvido para que, nas condições a quente nas quais as temperaturas do vapor são mais elevadas, os esforços sobre os flanges da turbina não ultrapassem os valores admissíveis informados pelo fabricante. Na condição a frio, com os prisioneiros retirados, a tubulação pode descer um pouco e em consequência perder o paralelismo entre os flanges, mas isto não é sinal de problema, é apenas a condição na qual a tubulação foi projetada, ou seja, privilegiando os esforços na condição a quente e não na condição a frio. O que realmente importa é, com o aquecimento da turbina, verificar se os calços que indicam esforços anormais (calços estes presentes na maioria das turbinas instaladas no Brasil) estão adequadamente soltos em seus alojamentos.
Mito #2: “Para a sopragem da tubulação que chega à turbina é necessário destravar todos os suportes de mola”.
Depende. Se a turbina dispõe de dispositivo de sopragem incorporado (aliás, o que é sempre recomendável), o procedimento de sopragem será feito com a tubulação acoplada à turbina. Com o aquecimento da tubulação acoplada os suportes de mola devem estar destravados, para não aplicar esforços excessivos nos flanges da turbina. Porém, se o dispositivo de sopragem incorporado não faz parte da turbina, a tubulação deverá ser desacoplada para o procedimento de sopragem, deixando assim de ser parcialmente suportada pelo flange da turbina. Nestas condições os suportes de mola devem permanecer travados, sob o risco da tubulação se deslocar completamente em função da elevação da temperatura e dos esforços dinâmicos durante o procedimento de sopragem. Por outro lado, o dispositivo de sopragem, neste caso externo à turbina, deverá sempre fazer parte do projeto de flexibilidade da tubulação. Vale a pena destacar o caso particular dos suportes de mola da tubulação de vapor da caldeira, os quais, durante a sopragem da linha, devem estar sempre necessariamente destravados!
Mito #3: “O projeto de flexibilidade deve ser desenvolvido visando usar o mínimo de juntas de dilatação e de suportes de mola”.
Errado! Juntas e suportes são acessórios relativamente baratos quando comparados com os preços de turbinas e de válvulas condicionadoras. È evidente que exageros devem ser sempre evitados, mas o que importa é instalar as juntas e suportes que sejam necessários para garantir que não vão existir esforços inadequados nos equipamentos. Por outro lado, curvas e liras em excesso aumentam a perda de carga na tubulação reduzindo a energia produzida na turbina. O bom projeto é aquele que alia flexibilidade adequada com uma baixa perda de carga nas tubulações.
Mito #4: “Válvulas condicionadoras de vapor devem ser instaladas sempre na vertical”.
As válvulas de fabricantes tradicionais são normalmente projetadas para instalação tanto na posição vertical como na posição horizontal. Como estes mesmos fabricantes exigem um trecho reto com comprimento mínimo na saída das válvulas, a instalação horizontal fica sempre melhor do ponto de vista de acesso para a manutenção dos equipamentos e do ponto de vista dos mínimos esforços (força cortante e momento) aplicados nos bocais da válvula condicionadora de vapor.
Mito #5: “A tubulação de vapor motriz aplica maiores esforços na turbina do que a tubulação de vapor de escape”.
A tubulação de vapor motriz está com temperatura mais elevada e tem paredes muito mais espessas, mas geralmente é a tubulação de vapor de escape que aplica maiores esforços, principalmente momentos nos flanges da turbina se as linhas não estiverem adequadamente projetadas. Por esta razão é recomendável usar juntas de dilatação adequadas na tubulação de vapor de escape das turbinas, e de preferência um conjunto de juntas tipo cardânica ou tipo dobradiça.
Mito #6: “As tubulações de vapor de turbina devem ser projetadas conforme a norma NEMA SM 23”.
Se o fabricante da turbina ou da válvula condicionadora não informa quais são os esforços admissíveis nos flanges, então é recomendável utilizar a norma NEMA SM 23, a qual geralmente é muito conservadora, exigindo esforços muito baixos nos bocais, principalmente quando de trata da verificação dos esforços combinados.
Mito #7: “O projeto de flexibilidade das tubulações é sempre o responsável por problemas mecânicos na turbina”.
Este é o mito preferido dos técnicos dos fabricantes de turbinas. Segundo a nossa experiência, na grande maioria das vezes este mito não corresponde aos fatos. Vimos inúmeras vezes o estudo de flexibilidade ser responsabilizado por problemas técnicos decorrentes exclusivamente das turbinas, tais como problemas de balanceamento inadequado, acoplamentos desalinhados, vibrações transmitidas à turbina pelo redutor de velocidade, etc. Para não perder tempo buscando problemas onde eles não existem, o operador da turbina deve estar muito bem familiarizado com o projeto de flexibilidade das tubulações, para poder argumentar com bases técnicas sólidas.
Mito #8: “As tubulações de vapor aplicam os maiores esforços à turbina quando a mesma está a plena carga”
Quando a turbina está entregando sua máxima potência, a temperatura do vapor de escape e do vapor de extração é mais baixa quando comparada à temperatura com baixa carga. Como o que importa para a flexibilidade das tubulações é a temperatura das linhas e não a vazão de vapor nas mesmas, a condição das tubulações com baixa carga é geralmente a mais crítica do ponto de vista dos esforços aplicados à turbina. Portanto, muito cuidado deve ser tomado para as diversas condições de carga parcial da turbina, as quais devem ser sempre exigidas do fabricante da turbina.
Mito #9: “O projeto de flexibilidade das tubulações não precisa contemplar o teste hidrostático a frio”
Poucos clientes nossos fazem o teste das tubulações de vapor de alta pressão a frio, com água pressurizada com cerca de 1,5 vezes a pressão de projeto das linhas. Mas este é o procedimento mais seguro e deve ser executado em conformidade com a norma ASME B 31.1. Desta maneira, todo o projeto de flexibilidade das tubulações deve ser desenvolvido considerando-se o teste hidrostático das linhas, o qual, além de comprovar a qualidade das soldas, garante a estanqueidade das válvulas.
Mito #10: “É indispensável a instalação de válvula de retenção na tubulação de vapor de escape”
A função de uma válvula de retenção é garantir o fluxo do fluido em um sentido único da tubulação. Quando há turbinas operando em paralelo, se uma delas parar abruptamente pode ocorrer entrada de vapor de escape na turbina que foi desarmada pelo fechamento da sua válvula de fecho rápido. Imaginando a carcaça da turbina como uma parte da tubulação, fica evidente que não pode haver fluxo de vapor de escape em sentido contrário se a válvula de fecho rápido está bloqueada. Mesmo numa situação hipotética de partida simultânea de várias turbinas, que estejam com suas válvulas de fecho rápido abertas, não haveria fluxo de vapor em sentido contrário porque a pressão do vapor vivo é sempre mais alta. Concluímos assim que esta válvula de retenção na tubulação de escape é desnecessária, e temos recomendado aos clientes não instalar. Caso seja uma turbina de emergência, que deve estar sempre aquecida e pronta para uma partida rápida, basta garantir um sistema adequado para a drenagem de condensado formado por resfriamento. É bom lembrar que a válvula de retenção não evitaria a formação deste condensado, porque tais válvulas não são 100% estanques e sempre haveria pequeno vazamento de vapor. Outro problema que pode ocorrer quando esta válvula é instalada é com operação em baixa carga, pois com pequena vazão de vapor a portinhola da válvula fica errática e causa vibração inadmissível na tubulação.
Queremos agradecer aos engenheiros Carlos Eduardo Oliveira e Rogério Mare Ventola, pelas oportunas informações de caráter prático a respeito da elaboração e da implantação dos projetos de flexibilidade de tubulações de vapor.