Comprando Gato por Lebre
Alguns dias antes do início da última Fenasucro em Agosto passado o jornal Folha de São Paulo trazia uma matéria com o mesmo título acima, discorrendo sobre situações nas quais o comprador é enganado pelo vendedor. O tema ficou na mente porque a reportagem apresentava uma fotografia muito bem produzida de um gato fantasiado de lebre.
Quando a feira começou e recebemos visitantes diversos em nosso estande, pudemos comprovar que na prática muita gente anda comprando gato por lebre quando instala circuladores mecânicos em tachos de cozimento a vácuo. Na verdade são muitas vezes “agitadores de massa”, em vez de circuladores de massa, sendo uma simbiose de cópias com empirismo.
Os técnicos que são ludibriados compram somente preço porque são convencidos de que o desempenho dos “agitadores de massa” é equivalente ao desempenho de circuladores bem projetados e bem construídos, já que a avaliação do desempenho deste tipo equipamento não é tão simples de ser obtida nas condições práticas de operação.
Circuladores mecânicos bem projetados e construídos devem ser robustos, principalmente seu sistema de acionamento, o qual deve contar com inversor de frequência, devem ter um sistema de vedação confiável para não ter entrada de ar falso e devem proporcionar para cada fase específica do cozimento em bateladas a máxima circulação da massa com cristais em cada um dos tubos da calandra, utilizando para tanto o mínimo de potência absorvida pelo motor elétrico.
Quando na prática os “agitadores de massa” apresentam problemas mecânicos, falta de potência na fase do aperto final da massa, pouca ou nenhuma redução no tempo do cozimento, entre outros problemas, alguns operadores que não obtém respostas satisfatórias dos responsáveis pelo projeto costumam chamar técnicos que realmente entendem desta aplicação específica.
Usualmente estes técnicos encontram soluções empíricas totalmente descoladas da realidade do processo e do fluido muito viscoso que se pretende bombear ou então soluções que são cópias grosseiras dos impulsores recomendados para esta aplicação.
Há soluções empíricas para as quais não vale nem a pena tentar avaliar o seu desempenho, de tão esdruxulas que são as premissas adotadas.
Quando são cópias o que é possível fazer é elaborar esboços dimensionais da instalação e fotografar detalhadamente os impulsores do “agitador” que não opera bem, para que seja possível determinar a sua geometria e assim poder simular o seu desempenho com a ajuda de software CFD (Computational Fluid Dynamics) usando computadores com capacidade de processamento adequada.
A comparação entre as simulações em CFD de impulsores corretos com impulsores copiados permite identificar as razões do baixo desempenho dos “agitadores de massa”.
O perfil das pressões nas chapas das pás do impulsor copiado é consideravelmente maior, aumentando assim a potência consumida.
O perfil das velocidades para um determinado set point mostra claramente que os impulsores copiados promovem muita agitação somente na área próxima ao tubo central do tacho, enquanto que os impulsores bem projetados promovem uma circulação mais homogênea inclusive na periferia da calandra.
A potência consumida nas cópias e nos empíricos é sempre maior. Neste caso o parâmetro relevante é a relação que define a eficiência do equipamento, ou seja, a relação Vazão / Potência (m3/h / CV). Os impulsores bem projetados e instalados consomem de 15% a 40% menos potência para uma mesma vazão quando comprados com sistemas copiados sem critério.
Sabemos que quanto melhor a circulação da massa durante o cozimento melhor será a sua homogeneidade e por consequência melhor será o desempenho da operação de cozimento. Mas nem sempre a aplicação de circuladores mecânicos melhora o desempenho do cozimento
Considerando que a geometria de um tacho favorece a sua circulação natural, esta vai ser mais intensa quanto maior for a taxa de evaporação. A circulação natural é favorecida pela diferença entre a densidade aparente da massa cozida que desce pelo tubo central e a densidade aparente da massa que sobe pelos tubos de aquecimento. A densidade da massa que sobe pelos tubos é tanto menor quanto maior for a quantidade de bolhas de vapor no seio da massa.
A evaporação mais intensa ocorre quando os produtos xarope ou mel estão com um brix baixo ou quando existe um grande diferencial entre a temperatura do vapor de aquecimento e a temperatura da massa cozida, esta última definida pelo nível do vácuo.
Se o cozimento tem uma ou as duas situações acima um circulador mecânico pode não ser necessário, a menos que se queira uma circulação minimamente adequada com alta viscosidade da massa cozida na fase final do cozimento.
Mas para minimizar o consumo de vapor de processo, será necessário trabalhar com produtos de alto brix e com vapor de aquecimento de baixa temperatura. Estas duas circunstâncias vão ocasionar menos bolhas de vapor na massa cozida que está subindo dentro dos tubos e por consequência vão aproximar a densidade desta massa com aquela que está descendo no tubo central. O resultado esperado será uma menor circulação natural e assim o circulador mecânico passa a ser a solução técnica recomendada.
O circulador mecânico é basicamente uma bomba com características muito específicas. É preciso bombear um fluido com viscosidade alta e variável, a qual aumenta do início até o final do cozimento. É uma bomba que deve operar com altas vazões e baixas alturas manométricas (basicamente as perdas de carga no tampo do fundo e nos tubos de aquecimento do tacho).
Para esta aplicação o impulsor (rotor da bomba) mais indicado é um impulsor do tipo axial, sendo que este impulsor axial deve ser instalado na parte superior do tubo central.
Um circulador mecânico tipo axial bem projetado está geralmente dimensionado para uma vazão inicial correspondente a 300 renovações do tacho por hora. Assim para um tacho de 60 m3 (600 hl) teremos uma vazão inicial de 18.000 m3/h. Este número de renovações pressupõe projetos de tachos com diâmetro de tubo central na faixa de 40% do diâmetro do corpo, calandra com altura máxima de 1,0 m e relação superfície volume na faixa de 7,5 m2/m3.
No caso de tachos existentes com geometria inadequada pode não ser econômico projetar circulador com 300 renovações e assim o projeto do circulador deve ser estudado caso a caso. Já houve projetos no exterior de tachos muito antigos com tubo central de pequeno diâmetro nos quais a solução foi instalar circuladores com dois estágios (dois impulsores axiais em série).
A potência instalada no circulador mecânico para as 300 renovações estará na faixa de 0,90 kW/m3. Ou seja, 54 kW (75 CV) para um tacho de 60 m3 (600 hl).
Como a potência da bomba varia com a viscosidade do fluido, a qual varia muito durante o desenvolvimento do cozimento, a solução técnica correta é adotar um motor com um variador de frequência que vai automaticamente limitar a corrente elétrica do motor na faixa de 90% da corrente nominal na fase final do cozimento, mas que permite operar com frequência acima de 50 Hz ou 60 Hz na fase inicial do cozimento.
Assim o impulsor poderá trabalhar com frequências mais elevadas no início do cozimento quando são mais baixos o brix da massa cozida e o percentual de cristais na massa cozida, e poderá trabalhar com frequências mais baixas na fase final do cozimento.
Nesta fase final do cozimento é perfeitamente possível trabalhar com rotação mais baixa sem prejuízo para o processo, lembrando que a potência de uma bomba varia com o cubo da relação de diminuição da sua rotação, mas a vazão varia diretamente com a rotação. Ou seja, abaixamos a rotação em 5% e a potência vai baixar aproximadamente 15%.
Um circulador mecânico bem projetado proporciona melhorias na qualidade do açúcar, pois a circulação adequada da massa cozida evita a ocorrência de pontos “frios” ou “quentes” durante o cozimento, evitando assim a formação de falso grão e a dissolução parcial de cristais.