Agitação na Fermentação
As novas unidades industriais que estão sendo implementadas no Brasil têm surgido com capacidades cada vez maiores. Conjuntos de destilação de 1.000 a 1.200 m3/d já devem se tornar realidade nas próximas safras, bem como fermentadores em bateladas de 2.500 a 3.000 m3. Os tanques de tratamento de levedura correspondentes terão de 800 a 1.000 m3.
O tratamento da levedura e a fermentação são processos físico-químicos que envolvem sistemas líquido-sólido, onde uma adequada homogeneização do meio é fundamental para se obter a máxima eficiência possível. Trata-se de um meio de baixa viscosidade, com sólidos em suspensão, e a agitação correta e vigorosa deste meio é que poderá proporcionar a homogeneização desejada.
Temos participado de discussões a respeito de qual seria a solução mais adequada para proporcionar a correta agitação. Há basicamente duas possibilidades para tanques de tal magnitude: misturadores de fluxo (axial / radial flow impellers) e hidro-ejetores (jet mixers). Nossa idéia aqui é procurar discutir as vantagens e desvantagens de cada solução e indicar a nossa recomendação.
Buscando a literatura sobre os fundamentos da questão, verificamos que a finalidade dos sistemas de agitação em um meio de baixa viscosidade com sólidos em suspensão é basicamente:
- Produzir a uniformidade do meio, dispersando e mantendo em suspensão as partículas sólidas;
- Facilitar as reações químicas e bioquímicas presentes no meio;
- Evitar a formação indesejada de aglomerados das partículas em suspensão.
Se procurarmos nos livros qual é o equipamento mais indicado para estas funções, o primeiro equipamento que surge para tanques de grande capacidade é o misturador de fluxo axial (axial flow impeller). A definição de misturador axial inclui todos os dispositivos nos quais as pás formam um ângulo menor do que 90º em relação ao plano de rotação. São os hélices do tipo “naval”. O misturador radial tem as pás mais ou menos paralelas ao eixo de acionamento. São os hélices do tipo “turbina”. Misturadores axiais são mais indicados para altas vazões e baixas perdas de carga. Misturadores radiais são mais indicados para baixas vazões e altas perdas de carga. Para fazer uma analogia, é só lembrar das primeiras aulas de mecânica dos fluidos na faculdade sobre geração de hidroeletricidade. Devemos usar máquinas tipo Kaplan para baixas quedas de água com alta vazão (fluxo axial) e máquinas tipo Francis para altas quedas de água e baixa vazão (fluxo radial). O misturador axial é uma máquina tipo Kaplan.
Mas voltando ao nosso problema real, devemos manter a máxima agitação nos tanques para evitar uma possível deposição da levedura no fundo dos tanques, em função da sua maior densidade em relação ao mosto. Uma boa homogeneização vai proporcionar uma boa superfície de contato entre a levedura e o ácido sulfúrico ou os açúcares, melhorando a eficiência do processo.
Para a seleção dos misturadores, devemos utilizar como parâmetro o grau de bombeamento gerado pelo misturador. Este parâmetro é definido pelo número de renovações por hora do tanque em questão. Nossa recomendação tem sido utilizar de 14 a 16 renovações por hora nos tanques de tratamento de levedura e utilizar de 6 a 8 renovações por hora nos fermentadores.
Nos sistemas de tratamento é recomendável uma agitação mais vigorosa porque proporcionalmente há muito mais material sólido em suspensão, e porque o processo em si deve ser mais rápido do que na fermentação.
Embora todos concordem que a agitação no tratamento é indispensável, há técnicos que acreditam que na fermentação não existe a necessidade de instalação de misturadores devido à grande liberação de gás carbônico, principalmente no início da fermentação em bateladas ou nas primeiras dornas de uma fermentação contínua. O fluxo de gás carbônico manteria o meio homogêneo. Este é um conceito errôneo, pois na verdade a liberação do gás carbônico não provoca uma grande movimentação do produto como se imagina.
Se examinarmos a superfície do líquido em fermentação, verificamos que há uma grande quantidade de bolhas de gás saindo, dando uma falsa impressão de movimento. O que ocorre na realidade é que, pela falta de dispersão do gás no meio, as pequenas bolhas formadas se juntam, formando bolhas maiores, as quais acabam subindo muito rápido devido à grande diferença de densidade. Este fenômeno é conhecido como coalescência. As bolhas maiores explodem na superfície do meio, dando uma falsa impressão de que o líquido está em movimento.
Os tanques que estamos discutindo são equipamentos de grandes volumes e que devem ter o mínimo possível de dispositivos internos, por razões de facilidade para assepsia. Trata-se, portanto, de sistemas onde altas vazões são necessárias e onde dispositivos internos que provocam perdas de carga são indesejáveis. É o caso típico de aplicação de misturadores de fluxo axial, pois estes equipamentos são os que exigem muitíssimo menos potência instalada, quando comparados com hidro-ejetores, para um dado número de renovações por hora.
Para fins de comparação, vamos considerar a agitação de um fermentador de 500 m3. Considerando oito renovações por hora, chegamos a uma vazão de 4.000 m3/h.
Um misturador tipo axial de entrada lateral, com impelidor de cerca de 750 mm e 280 rpm, teria uma potência instalada de 9,4 kW proporcionando um perfil de velocidades no tanque de 3,5 m/s até 0,7 m/s ao longo do diâmetro do tanque. Além do baixo consumo de energia, em função da baixa rotação este equipamento apresenta baixo nível de cisalhamento, evitando-se possível deterioração do sistema microbiológico.
Um misturador tipo hidro-ejetor, mesmo para uma vazão menor de 3.000 m3/h (seis renovações por hora), deveria ter, por exemplo, dois bicos injetores de diâmetro aproximado 150 mm e com uma pressão diferencial de cerca de 8,4 bar (120 psi), com uma vazão na faixa requerida de 3.000 m3/h. Para atingir esta vazão total necessitamos de uma bomba com capacidade de aproximadamente 780 m3/h, o que equivaleria a um motor na faixa de 220 kW. Ou seja, um consumo de energia cerca de trinta vezes maior para a mesma quantidade de renovações por hora.
O misturador tipo hidro-ejetor, embora não tenha partes móveis dentro do tanque, é um sistema que apresenta uma eficiência baixa, pois ou não se tem a agitação apropriada ou então se gasta uma enorme quantidade de energia para atender às necessidades do processo, elevando assim muito o custo operacional. São sistemas também de maior custo inicial, levando-se em conta a instalação da bomba e tubulações.
O misturador tipo axial tem a nosso ver duas possíveis desvantagens, ambas decorrentes de possível incompetência nossa ou do usuário.
A primeira questão é o cuidado na instalação. O misturador axial de entrada lateral não pode em hipótese nenhuma ser montado no sentido radial do tanque, ou perpendicularmente ao costado. O projeto sempre prevê montagem com inclinações de 5 a 15 graus em relação à superfície do costado. Já tivemos casos onde o usuário montou o equipamento radialmente, e nestas condições cria-se um fluxo preferencial que prejudica a agitação. Era um tanque de tratamento onde não havia homogeneidade do pH. Corrigido o problema de montagem, os valores de pH voltaram imediatamente a apresentar uniformidade. Assim, o cuidado na montagem é crucial para o bom desempenho.
A segunda questão é a possibilidade de vazamentos pela vedação do eixo. Neste caso é nossa responsabilidade, pela falta de imposição na especificação do selo. O comprador começa a pedir desconto e o fabricante vende o equipamento com gaxetas. Ocorre que gaxetas que contém amianto são agora proibidas, é preciso usar gaxetas com teflon. O amianto é um material que tem “memória”, ou seja, o mecânico aperta a gaxeta, e se ela afrouxa o amianto volta à sua forma original, garantindo a ainda uma boa vedação. O teflon não tem “memória”, se é apertado demais o material deforma definitivamente e as possibilidades de vazamento são muito grandes. Para corrigir estes problemas é indispensável especificar eixo com selo mecânico e, de preferência, com água para selagem. Com o equipamento adequado, a manutenção para evitar vazamentos é perfeitamente administrável.
Existe ainda a alternativa de instalação de um misturador axial de eixo vertical, montado sobre o tanque. Esta possibilidade existe e não apresenta problemas de vedação, mas para tanques de grande capacidade implica em eixos muito compridos, que são caros e de assepsia muito mais difícil.
Desta maneira, estamos absolutamente convencidos de que a alternativa tecnicamente correta é o uso de misturadores de entrada lateral, tanto do ponto de vista operacional como do ponto de vista de investimento inicial. Equipamentos adequadamente especificados e adequadamente instalados e mantidos vão apresentar uma muito melhor relação custo / benefício.