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Açúcar X Energia Elétrica STAB - Set/Out 2006

É impossível evitar uma maior degradação dos açúcares no processo quando se busca máximo excedente de energia elétrica exportável? Neste sentido, vale a pena trabalhar com mel bem esgotado? E se a degradação dos açúcares é inevitável, vale a pena pagar o preço em açúcar?

São questões que cada vez mais os clientes nos colocam, e talvez fosse interessante discutir alguns conceitos técnicos e econômicos referentes a este tema.

As usinas que buscam máximo excedente de energia elétrica procuram operar com um consumo de vapor no processo na faixa de 40% (400 kg/tc), daí para menos. Para chegar a estes valores de consumo é sempre necessário condensar todo o vapor de escape (VE) nos pré evaporadores e procurar fazer o máximo de sangria do segundo efeito.

Nestas condições, é comum termos o caldo saindo do segundo efeito com brix na faixa de 40 a 45%. Como o vapor do segundo efeito (V2) está com cerca de 105 C, dependendo da altura dos tubos na calandra e do brix, podemos obter uma elevação do ponto de ebulição significativa, ou seja, caldo com alto brix fervendo a 108 C por exemplo.

Por outro lado uma prática tipicamente brasileira, que é o uso de caldo primário para a produção de açúcar, tende a agravar ainda mais esta situação, pois trabalhamos com um caldo de brix inicial muito mais elevado.

Sem levar em conta o pH, a degradação dos açúcares aumenta com a temperatura e com o tempo. Mas o brix mais elevado também é um aspecto de suma importância.

É corriqueiro calcularmos na prática a taxa de evaporação de um evaporador qualquer, por exemplo, um pré evaporador com taxa de 27 kg/h.m2. Usamos este número como se na prática cada metro quadrado de superfície de troca térmica do equipamento estivesse absorvendo a mesma quantidade de energia liberada pelo vapor que está condensando, sem aumentar a temperatura do caldo. Mas para que isto ocorra seria necessário garantir que, do outro lado do tubo, houvesse sempre uma quantidade suficiente de água para ser evaporada. Ou seja, que o molhamento dos tubos fosse sempre o ideal, o que não ocorre na prática. E naturalmente é mais fácil obter bom molhamento com brix mais baixo, pois há mais água disponível para ser evaporada.

Esta necessidade fica ainda mais difícil de atender no cozimento, pois lá estamos trabalhando com valores de brix muito mais elevados, tornando o molhamento mais difícil.

O cozimento tem ainda, além do brix elevado, o aspecto tempo para complicar. Para se obter massas cozidas bem esgotadas, o tempo no cozimento é um fator relevante. Caso contrário bastaria termos um tacho com superfície de troca exagerada e elevar rapidamente o brix de 70% a 93% no mínimo tempo possível.

É fato que mel mais esgotado acarreta um menor rendimento na fermentação, principalmente em decorrência do aumento da quantidade de açúcares não fermentescíveis. Como no cozimento a temperatura de ebulição é mais baixa, a degradação dos açucares está mais associada ao fator tempo.

Um tempo de cozimento típico para uma massa B bem esgotada está na faixa de 4 a 5 h. É importante ressaltar que este tempo vale tanto para cozimento contínuo como para cozimento em bateladas. É comum ouvirmos no mercado que, como um cozimento B em bateladas no Brasil dura cerca de 2,5 h, portanto a degradação seria maior com cozimento contínuo que dura 4 h. Mas as pessoas esquecem que os cozimentos em bateladas tem sempre pelo menos um corte, e que assim o tempo completo da massa cozida em processamento é muito maior do que as hipotéticas 2,5 h. Não há almoço grátis, bom esgotamento sempre exige tempo.

Mas do ponto de vista da degradação dos açúcares, vale a pena esgotar a massa? A resposta para esta pergunta depende de outras questões.

Degradamos mais açúcar na evaporação ou no cozimento? É mais prejudicial a alta temperatura na evaporação ou o maior tempo de processamento no cozimento?

É importante lembrar que um menor esgotamento da massa cozida vai exigir uma maior produção de xarope para produzirmos a mesma quantidade de açúcar no saco. Por exemplo, uma usina produzindo açúcar VHP com uma recuperação no cozimento de 80%, vai necessitar cerca de 15% mais xarope caso a recuperação fosse reduzida para 70%. Seria uma maior quantidade de caldo sendo submetida a temperaturas mais elevadas.

Portanto, antes de mais nada o importante é desenvolver metodologia confiável para termos a possibilidade de determinar com precisão razoável as perdas por degradação dos açúcares na evaporação e no cozimento. Sabemos que há muitos técnicos buscando esta metodologia, e quanto mais cedo ela estiver disponível, mais cedo teremos as respostas.

Quantificar a degradação do açúcar é também primordial para decidirmos se, do ponto de vista econômico, vale ou não a pena maximizar a exportação de energia elétrica, ou pelo menos até que ponto.

Podemos discutir o caso hipotético de uma usina processando 2.500.000 t de cana a um ritmo de 600 t/h.

Vamos supor um balanço de vapor “amigável” para o caldo, com poucas sangrias, baixa recuperação no cozimento e em conseqüência um consumo alto de vapor de processo de 55% (550 kg/tc), o que implica não termos geração de energia com turbinas de condensação. Com caldeiras de 67 bar esta usina conseguiria exportar cerca de 40 MW, ou cerca de 166.700 MW.h por safra.

Vamos agora supor um balanço de vapor “hostil” para o caldo, com muitas sangrias, alta recuperação no cozimento e em conseqüência um consumo baixo de vapor de processo de 40% (400 kg/tc), o que significa passarmos a ter geração de energia com turbinas de condensação. Com as mesmas caldeiras de 67 bar esta usina conseguiria exportar cerca de 47 MW, ou cerca de 195.800 MW.h por safra.

Considerando um valor de R$ 135,00 / MW.h, típico do último leilão de venda de energia elétrica, chegamos a uma diferença de faturamento da ordem de R$ 3.930.000,00. Se o preço do açúcar for por exemplo de R$ 40,00 / saco, estamos falando em um faturamento correspondente a cerca de 100.000 sacos de açúcar.

E aí está a questão que realmente conta. A degradação maior do açúcar com o balanço hostil, quando comparada com a degradação do balanço amigável, é maior, igual, ou menor do que 100.000 sacos na safra? Naturalmente é apenas um exemplo, já que inúmeras outras situações específicas de cada usina poderiam ser simuladas de forma análoga.

Nós particularmente pensamos que, mesmo que o valor seja igual, vale a pena continuar buscando a máxima venda de energia elétrica. Pensamos que é uma questão de imagem institucional do setor. É sem dúvida nenhuma melhor o setor ser reconhecido como produtor de açúcar, de álcool e de energia, em vez de produtor de açúcar e de álcool apenas.

E se eventualmente concluirmos que o valor perdido em açúcar é maior, chegou a hora de reavaliarmos os preços de venda da energia elétrica, ou pelo menos dos seus custos de produção.

Mas além de esperarmos a metodologia adequada para medir a degradação do açúcar, é possível tomar algumas medidas para tornar o processo o mais “amigável” possível para o caldo.

É preciso ficar esperto com o desvio do caldo primário. Às vezes os valores de brix atingidos já nos primeiros efeitos da evaporação são muito elevados. Podemos agregar o filtrado, mesmo às custas de ter que aumentar a capacidade da evaporação. Ou mesmo o caldo secundário. Buscar sempre equipamentos que proporcionem baixa elevação do ponto de ebulição do caldo. Evaporadores Roberts com tubos muito compridos, por exemplo, devem ser evitados.

No cozimento, a recirculação excessiva de mel aumenta o tempo de residência médio dos produtos e deve ser evitada. O cozimento deve ser feito com temperatura a mais baixa possível. Esgotamento de massa não depende somente do brix, mas também da temperatura do cozimento. Podemos obter o mesmo esgotamento com um brix mais baixo se baixarmos a temperatura da massa. Mas baixa temperatura exige alto vácuo, o qual somente se obtém com bons condensadores e água suficientemente fria.

O importante é buscarmos sempre os parâmetros que nos permitam determinar o melhor equilíbrio do negócio da cana. É preciso procurar evitar a degradação do açúcar, mas isto não deve significar absolutamente que tenhamos de abdicar do notável potencial de geração de energia elétrica distribuída que o bagaço nos proporciona.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br