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A Relação Fibra/Pol da Cana STAB - Set/Out 2004

Um dia desses, numa reunião com vários técnicos açucareiros, surgiu a pergunta: “Ao longo da safra, quando a cana fica mais rica, o consumo de vapor no processo aumenta ou diminui?”

Com base em nossa experiência respondemos que, no caso do Brasil, geralmente o consumo de vapor de processo aumenta quando a cana fica mais rica. Resposta esta que foi prontamente contestada por quase todos os presentes, pois a prática costuma mostra a todos que, com o desenrolar da safra, começa a ocorrer mais sobra de bagaço. É um tema interessante que vale a pena ser discutido.

O primeiro aspecto que deve ser mencionado é que a cana não apresenta apenas a variação do seu teor de sacarose (pol) quando amadurece. Há variações importantes também no seu teor de fibra. Examinando esta relação fibra/pol da cana ao longo da safra, verificamos que geralmente iniciamos com valores na faixa de 1,0 no mês de Abril. Nos meses seguintes, a relação fibra/pol vai caindo progressivamente até atingir valores mínimos durante os meses em que ocorre o pico de maturação da cana (Agosto a Outubro), atingindo valores na faixa de 0,75 a 0,80. Nos meses finais, quando volta a chover, a relação sobe novamente até valores na faixa de 0,80 a 0,85, dependendo de quanto comprida for a safra.

É intuitivo admitirmos que cana mais rica gasta menos vapor no processo, pois ela tem menos água e portanto apresenta caldo misto com maior brix para um mesmo nível de embebição. E caldo misto com brix maior significa menor consumo de vapor na evaporação.

Entretanto, ressalvamos anteriormente que estamos falando do caso do Brasil, onde cana mais rica significa também maior produção de álcool por tonelada de cana processada. E para produzir mais álcool necessitamos de mais vapor na destilação. Portanto, cana mais rica gasta normalmente menos vapor na evaporação, porém gasta mais vapor na destilação. O balanço destes dois efeitos opostos é que deve ser levado em conta.

Procuramos estudar o caso típico de uma usina brasileira que esteja enviando todo o caldo para a produção de açúcar e trabalhando com duas massas no cozimento, ou seja, com uma produção de álcool ainda significativa.

Quando simulamos a variação da relação fibra/pol desde 1,00 até 0,77, o consumo total de vapor de processo aumentou gradativamente, indo desde 42,1% (421 kg/tc) até 47,3% (473 kg/tc).

Mas então como aumenta a sobra de bagaço ao longo da safra? A resposta está na quantidade de bagaço produzida em cada situação simulada. Quando variamos a relação fibra/pol desde 1,00 até 0,77, a produção total de bagaço aumentou gradativamente, indo desde 23,7% até 27,8% sobre a cana. Por outro lado, existe ainda o aspecto da redução das paradas por chuva a partir do mês de Junho, fator que é difícil de se mensurar mas que sem dúvida também é importante. Menor número de paradas significa menor consumo de bagaço.

Como a capacidade de geração de vapor, desde que existam caldeiras suficientes, depende da quantidade de bagaço produzido, o importante é conhecer a relação bagaço/vapor para cada situação ao longo da safra. Neste caso particular que estudamos, quando a relação fibra/pol variou desde 1,00 até 0,77 ao longo da safra, a relação bagaço/vapor variou desde 56,3% até 59,0%. Ou seja, a capacidade específica de geração de vapor aumentou, e portanto deveria aumentar a sobra de bagaço, que é o que ocorre na prática.

A relação fibra/pol depende apenas da matéria prima cana de açúcar, e assim só o que podemos fazer é reclamar com os agrônomos, pedindo para melhorar sempre que possível.

Já a relação bagaço/vapor depende de nós na indústria. Basicamente depende do nível de embebição, do mix de produção entre açúcar e álcool, do mix de produção entre álcool anidro e álcool hidratado e do sistema de sangrias e de recuperação de calor adotado na usina.

Desta maneira, é importante desenvolver para cada usina as suas curvas específicas da relação bagaço/vapor ao longo da safra e em função da relação fibra/pol esperada na matéria prima. É possível por exemplo que uma dada usina seja obrigada a alterar o seu mix de produção para uma dada matéria prima. Ou então alterar o seu nível de embebição. Já o sistema de distribuição de vapor e de recuperação de calor deve ser planejado com maior antecedência, de uma safra para outra. Dispor destas curvas da relação bagaço/vapor ao longo da safra pode ajudar muito no planejamento da produção, pois permite antever gargalos inesperados na produção.

E já que estamos falando de redução de consumo específico de vapor, é interessante discutir algumas novas alternativas que vão surgindo com a evolução dos equipamentos e com as necessidades da agro indústria.

Quando a usina não tem distribuição de vinhaça com caminhão, geralmente uma baixa concentração de potássio na vinhaça não é problema. Neste caso, é melhor recuperar o calor da vinhaça fazendo o pré aquecimento do caldo. Este pré aquecimento pode depois ser complementado pela recuperação de calor do condensado de vapor V1, sendo possível atingir temperaturas relativamente altas no caldo sem uso de vapor.

Quando a usina tem distribuição de vinhaça com caminhão, o ideal é ter uma concentração mais elevada de potássio na vinhaça visando reduzir os custos de transporte que podem ser muito significativos. Neste caso, uma primeira providência seria separar a vinhaça da flegmaça e procurar resfriar a vinhaça por meio de torres de resfriamento, usando como fonte de energia a sua própria temperatura (95 ºC).

Se a auto evaporação da vinhaça ainda não produzir uma concentração adequada, será necessário então fazer uma concentração parcial por exemplo em três efeitos, usando como fonte de calor o vapor V1. Neste caso, a parte da vinhaça a ser concentrada deveria ser retirada do aparelho na temperatura da base da coluna (108 ºC). Todo o vapor vegetal produzido da vinhaça poderia ser usado para o aquecimento do caldo, usando-se trocadores a placas em aço AISI 316. Um esquema deste tipo permite concentrar parte da vinhaça com pequeno consumo adicional de vapor de processo.

Em qualquer das situações descritas vemos que cada vez há menos espaço em nossas usinas para aquecer caldo com o vapor V3. As fontes de calor disponíveis a partir dos condensados e da vinhaça permitem aquecer o caldo até perto de 70 ºC, temperatura já alta para usarmos ainda o V3. Assim, se o balanço de energia exigir a sangria de V3, o mesmo poderia ser usado nos cozimentos B e C por meio de tachos contínuos. Como os cozimentos são conduzidos em temperaturas na faixa de 60 ºC, o vapor V3 a 95 C se presta para esta finalidade, desde que os equipamentos estejam adequadamente dimensionados.

O processamento de massa B com vapor V3 já é uma realidade no Brasil, e vai ser cada vez mais importante à medida que sistemas de cogeração por meio de turbinas de condensação exigirem maiores sobras de bagaço.

Outra medida visando recuperação de calor que já pudemos colocar em prática foi o aproveitamento do vapor do balão de flash de clarificadores de caldo. Tomando-se os devidos cuidados com a degasagem, pois afinal o balão de flash visa a remoção do ar presente no caldo, foi possível condensar este vapor em aquecedores de caldo atmosféricos com sucesso. O resultado foi surpreendente.

Todas estas possibilidades discutidas alteram a curva bagaço/vapor da usina. Qual é a sua curva ideal?

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br