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A Outra Embebição STAB - Mai/Jun 2000

Várias usinas estão hoje em dia estudando a viabilidade técnica e econômica para a implantação de uma central termelétrica anexa às instalações industriais existentes. É evidente que para este fim é necessário usar acionamentos eficientes na usina (turbinas e/ou motores elétricos), mas naturalmente a viabilidade do empreendimento aumenta quando há menor consumo de vapor de processo e portanto maior sobra de bagaço para a cogeração.

Quando participamos de discussões relativas ao consumo específico de vapor de processo (escape) nas usinas, é freqüente ouvirmos referências a consumos comumente encontrados nas plantas de açúcar de beterraba da Europa. Chegamos a inclusive a ouvir propostas para se atingir nas usinas brasileiras consumos de vapor de processo na faixa de 200 kg/tc!

Em primeiro lugar é importante lembrar que não podemos fazer uma comparação direta entre usinas de beterraba da Europa e usinas de cana no Brasil.

A pesquisa para obtenção de novas variedades de beterraba está muito avançada, e tem sido possível obter caldos muito ricos (94%) e com brix na faixa de 18 a 19% (não é caldo primário, é caldo misto!).

As características do caldo de beterraba permitem que se aumente a sua temperatura sem prejuízos ao processo. Desta maneira, é econômico operar com maior número de efeitos (5 a 7, em vez de 4 a 5).

As sangrias são facilitadas, pois nos últimos efeitos ainda há temperatura suficientemente elevada para aproveitamento. As usinas operam em meses frios, facilitando a recuperação de calor no aquecimento do caldo.

As usinas que operam com baixo consumo de vapor são totalmente automatizadas, permitindo uma monitoração e uma otimização do processo visando a redução de consumo de energia.

Normalmente não há produção de álcool a partir do mel residual, o que no Brasil implica em consumo adicional de vapor de processo.

Portanto, uma comparação pura e simples não faz sentido, principalmente levando-se em conta os aspectos econômicos. Lá o preço do açúcar e o preço do combustível favorecem muito o retorno do investimento para se ter usinas de baixo consumo de vapor.

No Brasil o nosso consumo típico na faixa de 500 kg/tc pode ser reduzido com investimentos em equipamentos e processos, para chegarmos por exemplo a valores de até 350 kg/tc. Mas será economicamente viável? Não teríamos nós meios para iniciar a redução de consumo de vapor com baixos investimentos?

O motivo de toda esta introdução é lembrar que os engenheiros europeus que projetam usinas tem uma regra básica quando pretendem economizar vapor: “É terminantemente proibido adicionar água ao processo”.

Em nossa cultura de usinas a bagaço, onde o combustível “não custa nada”, temos o hábito de introduzir água em vários pontos sem nenhum tipo de controle. Usamos água para dissolver magma, para diluir méis, para limpezas diversas, como se essa água pudesse ser eliminada posteriormente sem gastar energia.

Assim, um primeiro passo para se economizar vapor (e bagaço!) seria controlar de forma efetiva esta outra embebição, que freqüentemente é significativa. Da mesma maneira que monitoramos a vazão de água de embebição da moenda ou do difusor, procurando controlá-la, deveríamos monitorar a vazão de água introduzida no processo pelos operadores.

Desta maneira, providências simples e de baixo custo, poderiam resultar em economia razoável, talvez 5% ou mais, do bagaço consumido. Entre estas providências podemos mencionar:

  • Manter a evaporação em operação automática e sempre limpa, procurando manter o brix do xarope em 65%. É mais econômico evaporar nos múltiplos efeitos do que nos cozedores.
  • Controlar a água de lavagem dos filtros em função do pol da torta. Uma boa pulverização e água quente podem permitir maior brix do caldo filtrado sem aumento do pol na torta.
  • Controlar a temperatura dos méis e ter equipamentos adequados para a dissolução de falsos cristais. Temperaturas mais elevadas e tempos de dissolução adequados permitem operar com brix mais elevados.
  • Dissolver excessos de magma com xarope clarificado, usando para tanto equipamentos adequados. O mesmo vale para magma C, se houver três massas.
  • Automatizar os tachos para evitar problemas operacionais que exigem “matar” o cozimento com água.
  • Procurar limpar os equipamentos sempre com vapor, usando água apenas em última instância.
  • Operar a fermentação com o menor nível de água possível no tratamento da levedura.
  • Aproveitar perto de 100% do condensado de escape no desaerador, pela instalação de pré evaporadores com capacidade suficiente para condensar todo o escape.

São inúmeras providências simples que podem fazer uma grande diferença. O importante é mudar a cultura hoje vigente em nossas usinas, a de que colocar água à vontade no processo não prejudica o balanço de energia.

Uma providência possível seria adaptar os coletores das tubulações para que toda água do processo passasse por um único ponto que permitisse monitorá-la, por meio de um medidor / totalizador de vazão. A partir daí é avaliar o nível de consumo de água e estabelecer metas para reduzi-lo gradualmente. Quando este consumo estiver bem pequeno é a hora de se iniciar modificações nos equipamentos e no processo. E com uma monitoração bem feita, seria possível fazer comparações entre as usinas e trocar experiências.

Em poucas palavras, mente aberta, água fechada!

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br