A Maturação do Açúcar (1)
A indústria açucareira mundial tem passado nos últimos anos por significativos processos de modernização do setor industrial, visando sempre atender às novas realidades econômicas, tais como o aumento da produção, a redução constante dos custos de transporte e de estocagem, a garantia de qualidade do produto para se atender consumidores cada vez mais exigentes, etc.
No caso específico do Brasil, e notadamente na região Centro-Sul, estamos com um significativo atraso tecnológico quando se fala a respeito de manuseio e de estocagem de açúcar a granel. Principalmente quando se verifica que nos países do hemisfério Norte, há já pelo menos vinte anos, todos os problemas técnicos referentes a este tipo de operação foram devidamente solucionados e os sistemas a granel são uma realidade inconteste.
Pretendemos assim usar este espaço da nossa revista para discutir, de maneira simples e objetiva e principalmente para os açúcares brancos de qualidade e refinados, os fenômenos físico-químicos que se apresentam na estocagem de açúcar a granel, as necessidades básicas da instalação para uma boa conservação do açúcar, a tecnologia e os equipamentos disponíveis para esse fim e as vantagens do manuseio e do transporte do açúcar a granel.
Nesta edição vamos trazer uma abordagem teórica do assunto, e nas próximas edições poderemos discutir os aspectos práticos dos fenômenos e da tecnologia.
O estudo dos fenômenos físico-químicos relacionados com o equilíbrio entre o açúcar e o ar úmido envolve três elementos, a saber (vide Figura 1):
- os cristais de açúcar, que podemos admitir como sendo de sacarose pura, o que na prática é uma realidade para açúcares de alta qualidade;
- a fina película de mel que envolve os cristais, a qual vamos admitir que está saturada e que contém todos os não-açúcares;
- o ar úmido que os envolve;
Dois estados de equilíbrio determinam a composição da película de mel: a quantidade de açúcar que constitui os cristais pode ser considerada como uma reserva inesgotável de sacarose (sem água), enquanto que o ar úmido envolvendo o açúcar encontra-se com uma umidade bem definida e pode ser considerado como uma reserva inesgotável de água (sem açúcar).
O primeiro estado de equilíbrio diz respeito ao açúcar: a película de mel está sempre saturada de açúcar, o qual é dissolvido do cristal ou restituído ao mesmo.
O segundo equilíbrio diz respeito à água: a uma dada temperatura t, a pressão de vapor da água contida no ar é igual à pressão de saturação do vapor menos a queda de pressão de vapor devido à presença de solúveis no mel.
É possível assim definir a UMIDADE RELATIVA DE EQUILÍBRIO (URE) de um dado açúcar como sendo a umidade relativa do ar que está em equilíbrio com este dado açúcar (não há transferência de água entre cristal/mel/ar). Salvo indicação contrária, considera-se a temperatura sempre a 20 C.
Supondo-se que o mel está constituído de sacarose, de não-açúcares e de água, pode-se calcular, com a ajuda das tabelas de GRUT, a correspondência unívoca entre a pureza do mel que recobre os cristais, a sua concentração (brix %) e o grau de umidade do ar (umidade relativa) que está em equilíbrio com o mesmo.
Para exemplificar, alguns resultados encontram-se na Figura 2.
Assim é possível determinar, para um açúcar com uma dada polarização, os pontos de uma curva que representam a umidade relativa do ar que está em equilíbrio com o açúcar em função da umidade do açúcar.
São as chamadas curvas de equilíbrio.
Por exemplo, para uma umidade relativa de 81,5%, a pureza do mel é de 90% (vide tabela).
Em 100 g de um açúcar que contém 0,1% de não-açúcares, haverá na camada de mel recobrindo os cristais 0,1 g de não-açúcares, 0,9 g de sacarose dissolvida e, portanto a umidade do açúcar será calculada conforme a expressão indicada na Figura 2.
A umidade do açúcar está assim bem definida. Um açúcar com 99,90% de pol terá umidades conforme a tabela da mesma figura. Um açúcar com 99,99% de pol terá umidades dez vezes menores para as mesmas umidades relativas de ar em equilíbrio.
Entretanto, estes são resultados teóricos deduzidos das tabelas de GRUT, e calculados para um “não-açúcar” padrão que não corresponde exatamente àquele dos açúcares comerciais.
Portanto, é indispensável fazer medidas práticas de laboratório para se traçar gráficos reais para as mais diversas qualidades de açúcar.
A Figura 3 apresenta alguns resultados de medidas reais em laboratório para três tipos de açúcares brancos. Verifica-se que as curvas de equilíbrio estão relacionadas com a quantidade de impurezas no açúcar. De uma maneira geral, açúcares mais puros devem estar muito mais secos para uma boa conservação (ou seja, para ter uma mesma URE um açúcar mais puro deverá estar mais seco do que um açúcar menos puro).
Teoricamente, para um açúcar de altíssima pureza, teremos uma umidade nula do açúcar para umidades relativas de 0 a 86,5% e a seguir infinita, o açúcar assim liquefazendo-se totalmente. Como existem certas impurezas na superfície dos cristais que tem mais afinidade com a água do que o próprio açúcar, as curvas práticas tornam-se arredondadas.
Quando há transferência de água do ar para a película de mel, diz-se que o açúcar “mela”.
Por outro lado, quando ocorre migração de umidade da película de mel para o ar, o mel ficará supersaturado e haverá cristalização e o conseqüente “colamento” entre os cristais, ou seja, o chamado “empedramento”.
É importante lembrar que quando o açúcar “mela”, o risco de contaminação por microrganismos aumenta significativamente. Já a ação destes microrganismos provoca o aparecimento de açúcares redutores, que são muito mais higroscópicos do que a sacarose, aumentando assim o teor de umidade e provocando um círculo vicioso que poderá provocar perdas significativas de açúcar estocado.
Temos, portanto, que evitar durante a estocagem o açúcar “empedre”, que o açúcar “mele” e que o açúcar seja contaminado por microrganismos.
A Figura 4 apresenta alguns resultados reais de curvas de equilíbrio para o caso de açúcares brutos (demerara). Para estes açúcares de pureza menor (pol na faixa de 97,8% a 99,3%), pode-se fazer uso do chamado fator de segurança, sendo que abaixo de certos limites é possível se esperar uma conservação adequada do açúcar sem maiores cuidados de condicionamento. Nesse caso, desde que se tomem alguns procedimentos básicos, apenas o açúcar da superfície de uma grande massa estocada a granel poderá sofrer os efeitos acima mencionados.
Já para os açúcares de alta qualidade são necessários cuidados muito maiores para a estocagem a granel, como veremos a seguir na próxima edição com a discussão dos aspectos práticos dos fenômenos e da tecnologia disponível.